DOMVS REGIA
Concerto Cabeças
Concerto Cabeças — A Cidade que Virou Palco
“Era uma grande oficina ao ar livre… Era uma coisa de quintal.
Esse era o projeto de ocupação do espaço público.
Não era de ocupação de uma tribo. Era de uma ocupação de uma comunidade.
Com todas as idades.”
— Neio Lúcio de Moraes Barreto
O Concerto Cabeças nasceu assim: simples, doméstico, espontâneo — porém gigante.
Um movimento que brotou do asfalto, das janelas dos blocos, das varandas silenciosas que de repente passaram a respirar música, arte e presença humana.
Brasília, cidade tantas vezes acusada de frieza, descobriu em si mesma uma chama comunitária que se acendeu e jamais se apagou.
Neio também conta que, ao vasculhar fotografias do período, percebeu uma cena que resume o espírito daquele tempo:
Primeiro, uma senhora de cabelos brancos observando o concerto pela janela.
Depois, a mesma senhora encostada na pilastra do bloco.
Mais tarde, já no quinto concerto, sentada no meio da multidão, numa cadeira de espreguiçar, com seus bordados no colo — tecendo fios de lã enquanto o movimento tecia, à sua volta, os fios simbólicos de uma cidade inteira.
“Essa é a representação perfeita do projeto.”
Porque ali o Concerto Cabeças deixou de ser apenas música: tornou-se comunidade, pertencimento, ocupação afetiva do espaço comum.
Um Marco Cultural do Brasil
O Concerto Cabeças reuniu nomes que hoje ecoam na memória musical e artística do país.
Artistas como Glênio Bianchetti, Hermeto Pascoal, Nicolas Behr, Jorge Helder, Oswaldo Montenegro, Renato Russo, Cássia Eller, Zélia Duncan moldaram não apenas repertórios, mas identidades.
O movimento não foi apenas um evento — foi uma estética, uma pedagogia urbana, uma reinvenção da vida coletiva.
Cada apresentação era um gesto de cidadania; cada música, uma reorganização simbólica do cotidiano.
Foi ali que Brasília descobriu que podia ser quente.
Foi ali que a juventude percebeu que possuía voz.
Foi ali que a arte provou ser capaz de transformar ruas em salões, pilotis em catedrais, o vento seco em partitura viva.
O Concerto Cabeças não pertence à história apenas: pertence ao imaginário afetivo nacional, como um dos mais autênticos movimentos de ocupação cultural já vividos no país.
A Fusão entre Burle Marx, o Concerto Cabeças e a Arquitetura
O presente projeto pretende transcrever os desígnios do Projeto Original de Burle Marx unindo-o ao Concerto Cabeças em uma edificação situada na zona cultural do Parque da Cidade. A intenção não foi construir um monumento estático, mas criar uma volumetria viva, capaz de representar simultaneamente a força histórica do movimento Cabeças e o plano paisagístico original, transformando a cultura em elemento estrutural do parque — tão essencial quanto o lazer, e tão acessível quanto a própria trilha que o atravessa.
Assim, este centro cultural surge como espaço multidisciplinar, aberto, inclusivo, onde artistas iniciantes, amadores e profissionais possam desenvolver atividades interativas; onde o público encontre acesso imediato à cultura; onde o espírito comunitário evocado por Neio Lúcio — com sua “senhorinha da espreguiçadeira” tecendo memória no meio da multidão — possa florescer novamente.
O projeto reconhece a importância histórica do Concerto Cabeças, bem como a relevância simbólica do Parque da Cidade — palco das primeiras apresentações memoráveis de Cássia Eller, Renato Russo e tantos outros. Sua localização central permite que todo o Distrito Federal o alcance, reafirmando seu propósito democrático.
Este centro cultural alternativo não apenas enaltece o movimento artístico original, mas também intensifica e ampara as atividades previstas por Burle Marx, convertendo o parque em um polo contínuo de arte, cultura e convivência.
Com sua volumetria semienterrada, seu corte longitudinal iluminado, sua inspiração topográfica e sua organicidade coerente, o projeto torna-se uma síntese entre memória e futuro, entre a paisagem e a cultura, entre a comunidade e a cidade.
É uma arquitetura que não ocupa o espaço: ela o devolve às pessoas.
É uma construção que não domina a natureza: ela floresce a partir dela.
É um gesto que, como o Concerto Cabeças, transforma o cotidiano em experiência sensível — e o Parque da Cidade em palco eterno da arte brasiliense.
